Tuesday, July 3, 2007

Do Feminino e Do Masculino

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Jake e Dinos Chapman. Zygotic Acceleration, biogenetic-de-sublimated Libidinal Model, 1995 . .
Tem o processo de representação género?

Existem técnicas de pintura masculinas e femininas?

E o nosso olhar, de mulheres e homens, remete para diferentes formas de observar a pintura?

. O género é uma construção cultural de feminino e masculino oposta ao sexo biológico. Macho e fêmea dizem de características associadas a natureza biológica e física, feminino e masculino descrevem associações culturais que poderão incluir elementos biológicos. Embora a criatividade artística não fosse exclusivamente masculina, sendo a participação da mulher efectiva já desde o séc. XVI, a profissão de pintor era dominada pelos homens ainda no séc. XIX. As oportunidades dadas às mulheres eram muito limitadas e comportavam grandes desvantagens sociais.
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Catarina van Hemessen. Self-Portrait, 1548 .

Este quadro, de Catarina van Hemessen, 1548, é o primeiro auto-retrato conhecido de uma mulher. Representa-se a artista e contém a inscrição em latim “Eu Catarina de Hemessen pintando-me a mim mesma com a idade de 20 anos”. Curiosa esta inscrição que pretende não deixar dúvidas quanto à autoria, pois o suposto seria vir a atribuir-se este retrato a um qualquer pintor da época. Visionária :) Catarina pretendeu sobre tal não deixar dúvidas. Num tempo em que se pretendia dar ênfase ao racional e imaginativo e menos ao conteúdo prático, uma mulher aparece pretendendo ter como prioridade mostrar que conseguia pintar. . Avancemos até ao séc. XIX, o quadro abaixo, “Le Balcon” de Manet, mostra Berthe Morisot, pintora, Fanny Claus, violinista, e Antoine Guillemet. Ambas as mulheres são representadas sem referência às suas profissões ou apetências artísticas. Manet pintou vários quadros de Morisot sem nunca indiciar a profissão da sua modelo. .

Edouart Manet. Le Balcon, 1868-9 .

Neste quadro, os retratos das mulheres surgem como modelos de passividade e do doméstico, construções normativas do feminino, em contraste com a austeridade negra da figura masculina. A cena, de profissões ausente, será vista como informal, representação de cena doméstica, social e não profissional é certo, porém, muito indiciadora. Vestem as mulheres esvoaçantes e diáfanos vestidos, os atributos do feminino representam-se nos acessórios e são estas dotadas de olhares vagos e expressões divagantes. Ou seja, os retratos de mulheres pretendem-se mostra da sua beleza, elegância e qualidades. Assim as vêem os homens, inclusivé os pintores. Curiosamente, a representação da varanda remete para a mesma organização burguesa da audiência na ópera, determinando a etiqueta que as senhoras ocupassem os lugares da frente (sentadas) e os homens permanecessem atrás, em pé. As senhoras tinham a função de serem observadas, os homens a de observarem, porventura, outras mulheres. .


Edouard Manet. Emile Zola, 1868 .

Assim, as convenções determinavam que os homens fossem representados revelando as suas aptidões, como se pode ver nestoutro quadro de Manet, mas tal ausentava-se nas mulheres, que se representavam sem dados que dissessem do seu estatuto. .

Segundo o ponto de vista técnico, os processos de pintura do séc. XIX, e parte do XX, parecem poder ser observados, também, segundo o “género”. Deste modo, relaciona-se o desenho à prática masculina, enquanto o colorido é apercebido como prática feminina, associando-se os trabalhos mais libertos de Van Gogh e Gauguin, pelo seu colorido e técnica, a uma criatividade inovadora masculina. .

Observemos, agora, a imagem abaixo, motivo de imensa controvérsia, ícone da actividade do movimento feminista nos anos setenta do séc. XX. .

Judy Chicago. The Dinner Party, 1979 .

The Dinner Party, de Judy Chicago consiste numa mesa triangular, cada lado com treze lugares, cada lugar celebrando uma antiga deusa ou mulher que se destacou na história ocidental. A mesa está exposta no Museu de Arte de São Francisco, num piso chamado The Heritage Floor, cujo chão é coberto a porcelana e nela inscritos os nomes de 999 mulheres. .

The Dinner Party, excerto

. Percorrendo vários estados e cidades dos Estados Unidos, The Dinner Party gerou debates profundos. Por um lado chegando a ser avaliado como pornografia, pela cerâmica e imagens que remetem para a genitalidade feminina, acusado da identificação da mulher em termos biológicos e não sociais ou políticos. Por outro, levantou a questão de estas imagens poderem ser usadas para o prazer masculino, pois importante é o olhar, primeira cognição da diferença sexual. Nesta perspectiva da importância do olhar, enquanto portal aberto ao conhecimento e prazer que este pode trazer à mente, fruto de uma sociedade gerida pelo masculino e seus valores, vejamos, na imagem abaixo de Paul-Joseph Jamin, como este conhecimento pode ser usado em função do poder de manipulação e desejo. .

Paul-Joseph Jamin. Le Brenin et sa part de butin, 1893

. O que aqui vemos é a figura vitoriosa do guerreiro conquistador olhando as mulheres capturadas, vítimas de rapto e sugerindo inclusive a eventual violação. A figura masculina reclamando autoridade, as figuras femininas em convite ao voyeurismo erótico. Deliberadamente, estas, nuas ou meio despidas, apresentam diferentes ângulos e posturas encorajadoras de fantasias sexuais, convidando o espectador masculino a nelas projectar as suas próprias fantasias, imagem que as feministas de setenta veriam como claramente representativa dessa cultura patriarcal, servindo-se dos corpos femininos enquanto objecto de desejo. .

Ingres. Turkish Bath, 1862

. Comparemo-lo com O Banho Turco de Ingres. Tirou Ingres a ideia destes nus no interior de um harém, da correspondência de Lady Mary Wortley Montague, mulher do embaixador inglês, que nessas cartas descreve os banhos em Seraglio. A primeira fase deste quadro foi realizada em 1852, por encomenda do Conde Demidoff, mas não entregue, vindo a ser adquirida pelo príncipe Napoleão que, depois da intervenção da princesa Clotilde escandalizada com esses nus, o devolveu a Ingres.

O pintor guardou-o durante vários anos e nele foi realizando várias modificações, finalizando-o em 1862, quando o assinou dizendo com orgulho que era obra de um homem de oitenta e dois anos.

. Inspirou-se, ainda, nas odaliscas, figuras que ele admirava, enquanto mulheres devotadas a conservarem a sua beleza e charme de modo a oferecerem prazer ao seu sultão. O quadro descreve beleza e graça, mulheres que exibem o seu corpo, sem qualquer sinal de obscenidade nas suas posições, e diz da admiração do pintor pelos artistas greco-latinos, uma procura comum da beleza perfeita, através de corpos sensuais mas de forma inocente. . Sendo que a representação da sexualidade feminina foi vital para as artistas feministas dos anos 60 e o prazer sexual feminino tema de trabalho importante nos anos 70, a obra de Judy Chicago surgiu nesse despertar de modernidade, no tempo certo. Fugindo aos modelos patriarcais, o olhar de uma mulher produzindo imagens de corpo de mulher. . .

14 comments:

Frioleiras said...

Voltaste .....
Tem cuidado, orque a net é a ratoeira da Era di«o Vazio em q a humanidade (dita civilizada se encontra)....

Tudo está bem com conta pedso e medida...
Eu ainda n consegui parar mas quero "postar" pouco ... de contrário, aliando a net a o meu quotidiano bulicoso, fico estourada ...
Bjnhs

F.

Luís Galego said...

excelente este ensaio sobre o género e arte. As questões do género sempe me interessaram muito, tanto ao nível aqui descrito, coomo ao nível da participação de mulheres e homens em outras esferas de actividade, mormente a politica. Se fosse critico, daria 5 estrelas a este post. Como não sou, sublinho apenas a qualidade do mesmo.

Anonymous said...

Teresa

Que bom que voltou!
Preciso de suas belas informações sempre!

BEIJOS

elisabete cunha

Anonymous said...

Adorei seu blog, Teresa! Muito artístico e realmente criativo e interessante. A canção do Chopin também é linda! Obrigadíssima pela referência sobre o impressionismo. Irei adquirir sim :)

Beijos!

PS: Vou adicionar seu link ao meu blog, tá?

ANJOS PRADA said...

Que bom Teresamaremar de amar! Voltou com a sua boa sabedoria;)) Fico satisfeita, mas como disse num dos meus blogues! Espero que se tenha agarrado com a maior garra aos pinceis e telas e tintas e mais tarde, nos brinde com o seu belo trabalho! Mesmo não o conhecendo sei que seguramente deve ser "BELO"! São aquelas certezas que nem nós sabemos porque as temos... Sorriso Enorme com salpicos de anjos com prada;)) Agora também posto menos tenho que coordenar as tarefas, e não vou ter férias...=) Não é de todo um lamento, é a luta da vida=) Ah! E os dois outros meus blogues são: http://www.trionfoalgrand.blogspot.com e http://www.gringasempre.blogspot.com

Anonymous said...

olá teresamaremar!
depois de lermos este artigo, quase não temos palavras... simplesmente belo.
beijinhos
paula e rui lima

lésbica só said...

que fabulosa descoberta eu fiz:)
obrigada!

Zénite said...

Dizem os entendidos na matéria - e quão vasta é a matéria que compõe o nosso mundo - que, perante uma obra de arte, um livro, um filme, uma composição musical ou poética, etc, não devemos dizer somente que gostámos.

Pois eu digo: gostei imenso de tudo o que vi e li neste espaço. Soberbo! Magnífico! E mais não digo.

Os meus parabéns!

Com um abraço.

P.S.: aproveito para agradecer as palavras deixadas hoje no blogue que não era blogue. Falo da Voz da Pedra, que já apaguei. Tratava-se, com efeito, de um teste.

isabel mendes ferreira said...

Tu sabes. Sabes o prazer que é chegar aqui.


indispensável.


rever e reler.


beijos.

______________

fascínio.

Anonymous said...

Teresa


Quero saber com vc está!

ESTÁ TUDO EM PAZ?
bEIJOS BRASILEIROS SINCEROS!

ELISABETE CUNHA

bettips said...

Uma outra Teresa-mar-arte. Amar arte. Do PPP aqui venho conhecer mais e mais. Das gotas de sabedoria te agradeço. Da poesia das fotos me revejo. Abç

hfm said...

Gostei deste texto-análise que merece uma franca reflexão. Obrigada por ele.

teresamaremar said...

Dado o interesse demonstrado pelo tema deste post, os títulos abaixo têm muito mais sobre o assunto

Obrigada



CHERRY, D.. Painting Women: Victorian Women Artists. London, Routledge, 1993

GARB, Tamar. Sisters of the Brush: Women’s Artistic Culture in Late Nineteenth-Century Paris. New Haven and London, Yale University Press, 1994

PERRY, Gill. Gender and Art. New Haven and London, Yale University Press, 1999

PARKER, Rozsika & POLLOCK, Griselda. Old Mistresses: women, art and ideology. London, Routledge, 1981

ROSALDO, M. Z. & LAMPHERE, L.. Woman, Culture ans Society. Standford University Press, 1974

Saramar said...

Meu Deus, e eu que pensei que você iria voltar só depois das férias!
Estou atrasadíssima na leitura, no encanto, na aprendizagem.
Perdoe-me.

beijos