Wednesday, August 22, 2007

Despojos de Intenção

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Eu não sou um pintor, sou um poeta.
Porquê? Penso que preferia ser
um pintor, mas não sou. Bom,
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Mike Goldberg, por exemplo,
está a iniciar um quadro. Eu apareço.
"Senta-te e toma uma bebida" diz
ele. Eu bebo; nós bebemos. Reparo
"Tu tens sardinhas aí."
"Sim, precisava de qualquer coisa ali."
"Oh." Eu saio e os dias passam
e eu apareço de novo. O quadro está
terminado. "Onde estão as sardinhas?"
o que resta são apenas
letras. "Era demasiado", diz Mike.
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Pedro Fernandez, Oranges
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E eu? Um dia estou a pensar numa
cor: laranja. Escrevo uma linha
acerca de laranja. Em breve é uma
página que está cheia, não de linhas, de palavras.
Depois outra página. Deveria haver
muitíssimo mais, mas não laranja,
palavras, como é terrível o laranja
e a vida. Os dias passam. Acontece ser
em prosa, sou um verdadeiro poeta. O meu poema
está terminado e ainda nem sequer mencionei
o laranja. São doze poemas, chamo-lhes
laranjas. E um dia numa galeria
vejo o quadro de Mike, chamado SARDINHAS.
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Frank O'Hara, in Vinte e Cinco Poemas à Horas do Almoço.
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Mike Goldberg, Sardines, 1955
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11 comments:

Anonymous said...

Seremos o que queríamos ser?
Seremos o que deveríamos ser?
Seremos o que as circunstâncias nos levaram a ser?

Poetas? Pintores?

Quantos artistas vivem bem longe de qualquer manifestação de Arte..Quantos com ela coabitam sem qualquer talento, ou até "inclinação" para ela...

Eu conheço mãos calejadas pelos trabalhos do campo que arrancam notas melodiosas de instrumentos musicais.
Eu conheço mãos ásperas de pescadores que depois transformam dentes e ossos de baleias em autênticas maravilhas.

A Arte.
Companheira secundarizada de quem tem de ganhar a vida bem longe dela.

"Destino"?

Pouco importa se laranja ou amarelo.
Talvez preto.
Quiçá branco.
Porque alva será a aurora em que cada um possa traçar o seu caminho.
Ou apenas utopia?

teresamaremar said...

Querer, poder e dever. Merecer.

Talvez o mais difícil seja sermos/fazermos o que queriamos ser/fazer.
O que deveriamos... resposta demorada esta seria, talvez devessemos ser sempre mais activos, inventivos, participativos e exigentes.

Destino... nós fazemos, e muito, o nosso próprio destino. Contudo, somos, muito, o que nos foi/é permitido ser [porque os nossos limites nos trav(ar)am ou a sociedade nos privou].
Mas somos também o que tivemos/temos coragem de arriscar, o caminho que em cada encruzilhada escolhemos (e poderiamos ter sido tantos outros eus).

Muitos mereciam bem mais, é certo.
Talvez o que importe seja a capacidade de sonhar e criar, ainda que à escala do nosso pequeno, anónimo e remoto universo.

TRIONFO AL GRAND said...

...Passei para dar um sorriso=))

O Profeta said...

Tu sabes pintar sensibilidades, ai se sabes...


Doce beijo

Anonymous said...

SAUDADES!!

elisabete cunha

Bandida said...

construimos a palavra na cor ou a cor envolve a palavra como se fosse azul. afinal é laranja. em forma de sardinha.

arte. infinitamente livre.


beijo Teresamar.


B.

TRIONFO AL GRAND said...

Teresamaremar
Excelente Domingo!!=)*

Anonymous said...

Teresamaremar, amiga de Trionfo é minha amiga.

Teresamaremar, recomendação de Isabel do Piano é obrigatório.

Parafraseando-te: há aqui tanto para ler que preciso de mais horas.

Vais direitinha para a minha lista branca :))

Bjj

Zénite said...

Num incêndio de orvalho e de laranjas, belo é o fogo (laranja) das palavras incidindo sobre o lume-prata das sardinhas. :)

Abraço.

luis said...

Vim dar-te os bons-dias, reler-te, rever as imagens e ouvir na manhã ainda jovem o teu nocturno.

Repousante!

Abraço e bom fim-de-semana.

PostScriptum said...

Está a tornar-se compulsiva a vontade de voltar sempre.