Saturday, June 9, 2007

O Olhar Mágico

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Vladimir Kush. Forgotten Sunglasses
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Os olhos, órgãos da percepção visual são universalmente o símbolo da percepção intelectual. O taoismo associa-os ao sol (direito) e à lua (esquerdo), e, respectivamente, ao futuro e ao passado, à actividade e passividade.
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René Magritte. Le Faux Miroir
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Um observa o tempo, o outro a eternidade. O carácter chinês ming, símbolo da luz, é a síntese de sol e lua, da unidade.
Esta percepção do uno remete-nos para o terceiro olho, o olho frontal de Shiva (deus hindu), a um mesmo tempo renovador e destruidor, já que destrói para fazer renascer. Olho da sabedoria, órgão da visão interior, também, presente na religião budista e no Islão.
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Dali, Spellbound (depois do filme de Alfred Hitchcok, em cujas sequências oníricas trabalhou)
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Uma constante na espiritualidade muçulmana, os poetas sufistas referem-se-lhe, e a mesma referência, enquanto olho da alma, encontramo-la em Platão e Santo Agostinho. O olho é intuição e clarividência.
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Símbolo da Essência e do Conhecimento divino, inscrito num triângulo, é a um tempo símbolo maçónico e cristão. O ritual de abertura dos olhos é uma iniciação ao conhecimento, e o olho de Deus, que tudo vê, omnisciência.
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Não esqueçamos a corrente expressão “mau olhado”, usada, com igual significado, no mundo islâmico. Sinal de poder associado a maldade. E, ainda, as poções mágicas da África Central, a que olhos de animais e humanos eram associadas, tal a importância atribuída ao sentido da visão. Por fim, a pintura em trompe-l’oeil, a enganar o olhar.
Os egípcios, no rosto de perfil, representavam o olhar de frente, olhar mágico. Olho-luz, purificador, símbolo sagrado que encontramos em quase todas as suas obras de arte.
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No final de 1889, salteadores de túmulos, trouxeram à luz do dia retratos fantásticos da região de Fayoum, situada a oeste do Nilo. Remontam à época da ocupação romana, datando-se, assim, dos primeiros séculos da nossa era.
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O que mais impressiona nestes sarcófagos egípcios é o realismo dos retratos, a expressão profunda, a familiaridade que ultrapassa o tempo que deles nos separa.
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Um olhar vindo do mundo da morte para o dos vivos, mensagem da alma imortal.
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Desde o clássico, e porventura mais falado olhar da história da pintura, Mona Lisa, a inovação na técnica do olhar, o olhar perseguindo-nos, qualquer que seja o lugar de onde o observemos, muitos foram os pintores que sobre ele se debruçaram, procurando eternizá-lo.
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Leonardo da Vinci. Mona Lisa, 1503
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Por prazer ou encomenda, a soldo da Igreja ou de outra entidade, em privado,
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Albrecht Durer. Unknown Lady, 1497
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Bartolomeo Veneto. Portrait of a Gentleman, 1512
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ao longo dos séculos, Piero de la Francesca, Albrecht Durer, Leonardo da Vinci, Rafael, Bartolomeo Veneto, Parmigianino, Hans Holbein, Agnolo Bronzino, Rubens, Rembrant, Ingres, Van gogh… tantos e tantos se dedicaram a perpetuar o rosto e olhar humanos.
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Rubens. Family of Jan Brueghel, o Velho, 1612-13
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São personalidades históricas, marcantes de uma época, ricos comerciantes ou seus familiares, mecenas ou patronos das artes, outras anónimas, individualmente ou em cenas de família, meninos e meninas. Sonhos.
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Agnolo Bronzino. Bia, the Illegitimate Daughter of Cosimo I de Medici, 1542
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Hans Holbein the Younger. Edward VI as a Child, 1538
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Que melhor forma de descobrir os segredos de um pintor senão segundo o olhar com que ele dota as suas figuras? A pintura não se reduz a descrever o objecto que se vê, mas a ideia que ele representa. Um olhar que ela devolverá aos outros. Espelho da alma, o olhar impõe-se, troca-se, pinta-se.
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Rembrant. Autoportrait, 1659
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Vidas e vida. Presas no momento. Olhares pulsando em tela, atravessando-a, para no nosso olhar se pousarem.
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17 comments:

Bandida said...

quando se cruzam nos olhares as cumplicidades do tempo. num tempo quase nulo.

para quando o teu olhar?


beijo

B.
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teresamaremar said...

Bom dia Bandida

tudo, a seu tempo, terá o seu tempo.

Beijo de bom domingo

Frioleiras said...

Interessante o teu post ...
E os flamengos de q tanto gosto...
Bj
F.

Frioleiras said...

E ... Teresa,
A mesa junta à janela (na sala de jantar do Parador) estava sempre ocupada... a única com uma paisagem sobre o rio, linda!

E, à noite, os lustres reflectiam-se nela,
magicamente...

F.

teresamaremar said...

:) boa noite Frioleiras

sei... é mágico o espaço, mágica a mesa e o que dela se avista

sabia que irias gostar.

Beijo

deep said...

olhar pela janela baerta de par em par mesmo de olhos fechados...

Anonymous said...

qUERIDA TERESA

Tem uma surpresa no encanto para vc!
Elisabete cunha

teresamaremar said...

Olá CM

é bom mesmo uma janela debruçada sobre a vida, ainda que de olhos fechados, saber que ela existe.

Obrigada pela visita. Volte sempre

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Olá Elisabete :)

vou lá já agora.

blue said...

obrigada, teresamaremar, pela passagem no blue molleskin. um olhar não é tudo, mas é quase tudo.

Frioleiras said...

as tuas palavras (e as q deixaste no meu blog... são sp tão tão sensíveis !...)

teresamaremar said...

São Frioleiras? E as tuas...? Eu disse, na primeira vez, em boa hora aqui chegaste.

Tem uma boa noite

o Reverso said...

cheguei agora a casa e vi que passaste pelo blog.
obrigado.
quanto ao teu post, gostei muito.
o texto interessa.
surrealismo gosto desde sempre, desde quando não sabia ainda o que era surrealismo.
a gioconda era o meu quadro preferido aos 14 anos; agora já não, mas gosto.
Rembrandt também, sempre.
história antiga gosto.

vi que os príncipes e as princesas...

teresamaremar said...

Olá Triliti

Não precisamos dar nome às coisas para delas gostarmos, não é?
Eu comecei por ser apaixonada pelos Impressionistas (de que ainda gosto muito), mas os surrealistas foram-se-me tornando cada vez mais fascinantes. Hoje é uma paixão imensa, cada um que descubro mais me intiga e fascina. Descobri recentemente esse Vladimir Kush e fico extasiada olhando as coisas dele.
Os surrealistas são o poder de contar sonhos.

spring said...

olá teresamaremar!
olhamos estes outros olhares através dos tempos e descobrimos neles o "mistério" da sedução da pintura, esse segredo que nos obriga a olhar um quadro sem reparar na passagem das horas:)
o cinema também por vezes possui esse segredo do olhar, não o dos astros e estrelas mas sim o de gente anónima que olha pela primeira vez para a câmara de filmar... "Powaqqatsi" de Goddfrey Regio será sempre um bom exemplo a descobrir.
beijinhos
paula e rui lima

teresamaremar said...

Boa noite Paula e Rui,

o cinema é não apenas o mesmo segredo do olhar, como o mesmo mistério da sedução.

Powaqqatsi, mais do que uma critica ou censura é voz ausente onde fala o mundo em mudança.
É alerta para que o Património, qualquer que ele seja, se preserve.
É um alerta para que não se abandone à sorte.
É fazer História aclarando as diferenças. Cruzar olhares.
Excelente ponte a sugerida.

Beijo para ambos

isabel mendes ferreira said...

os teus olhos apaziguam-me.










obrigada. beijos.

Saramar said...

janelas, tantas abertas e que nunca se fecharão pela beleza da arte.
Lindos, principalmente as pinturas egípcias.

beijos