Thursday, May 28, 2009

Retratos do Mundano

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Mil setecentos e noventa e nove, Atelier de Isabey, Palais du Louvre, lugar mundano, de reunião, pintores e escultores, também de músicos e arquitectos. Espaço público ou doméstico, lugar de sociabilidade, memória e debate, o salão ou tertúlia é espaço de entretenimento, divertimento e conversação, eventualmente de gastronomia, pois que as conversas decorriam, também, à volta da mesa.
Os registos pictóricos, que atestam estes momentos, exibem poses naturais, em cenas domésticas, de jardim ou café, onde o tom coloquial dita a disposição.
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Conversation pieces, de que William Hogarth foi o grande mestre principiador, são, habitualmente, trabalhos em pequena escala, em que grupos de familiares ou amigos se reúnem em informais encontros. Frequentes no século XVIII, não deixaram de fazer parte do gosto ao longo dos tempos.
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Enquanto lugar de divertimento, neles acontecia o jogo, teatro e concerto. Círculos de amizade, mas também de elite, pois que os seus elementos reuniam segundo interesses literários, artísticos ou políticos, cúmplices de interesses comuns. Porém, embora testemunhos do mundano, eram geradores da mudança e de progressos culturais, lugares onde germinavam novas ideias.
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José Gutierrez Solana. La Tertúlia del Café Pombo, 1920
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Boémia de Madrid. A tertúlia do Pombo calhava aos sábados à noite, depois do jantar, muitas vezes até ao novo dia. Tinha lugar no sótão, “La Cripta de Pombo”, lugar de espelhos, sem electricidade, a imagem da Virgem del Cármen como patrona. Política excluída. As figuras, Manuel Abril, Tomás Borrás, José Bergamín, José Cabrero, Mauricio Bacarisse, Pedro Emilio Coll, Salvador Bartolozzi e o pintor.

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Jacques-Émile Blanche. André Gide et ses Amis au Café Maure, Exposition universelle de 1900

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Se a literatura, pintura e música tiveram um papel dominante, este foi dando lugar a discussões filosóficas e científicas.
Espaços de comprometimento, mas também de hospitalidade e mecenato.
Reflexão, imaginação, fantasia, e ainda de curiosidade e descoberta. Neles se discutia o passado, se ponderava o presente e se interrogava o porvir.
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É o fulgor da Belle Époque, André Gide escreve Nourritures Terrestres, que se tornaria guia espiritual das gerações pós-guerra. Na senda de Fantin Latour, Jacques-Émile Blanche regista o grupo de amigos. À volta de Gide, em pose descontraída, chapéu negro e cigarro na mão, organizam-se as restantes figuras. Sentado, Charles Chanvin, poeta; Henri Ghéon, pseudónimo do Dr Vaugeon, mais apaixonado pela literatura que pela medicina; Athman Ben Salah, poeta tunisino, protegido de Gide, e Eugène Rouart, filho coleccionador Henri Rouart.
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Columbano. Grupo do Leão, 1885
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Columbano, espectador angustiado do quadro político-social dos finais do século, o pintor mais significativo dos finais de oitocentos. O Retrato de Antero de Quental, 1889, profetiza o desfecho do poeta-filósofo, e simboliza toda a geração dos Vencidos da Vida. A Brasileira, lugar da diferença, trangressão e criatividade. Retratados, Silva Porto, Rafael Bordalo Pinheiro, António Ramalho, José Malhoa, João Vaz, Girão, Henrique Pinto, Rodrigues Vieira, Ribeiro Cristino, Cipriano Martins, o empregado Manuel Fidalgo e o próprio Columbano.
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Se Hogart é um dos grandes nomes que a este género mais se dedicaram, outros há, para os quais a arte, sob não importa que rosto, é paixão.
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Henri Fantin-Latour, 1836-1904
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quando a arte é enamoramento

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......................................................Hommage à Delacroix, 1864

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Fantin-Latour, ele mesmo, com Baudelaire, Manet, Whistler, Champfleury e outros rodeando um retrato de Delacroix.





.........................................................................................................................................................Un atelier aux Batignoles, 1870

Manet, Renoir, Monet e outros no estúdio de Manet, tela também conhecida por Hommage à Manet

Un coin de table, 1872
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Parnasiano, o grupo de poetas amantes da arte, fundadores da revista La Renaissance Littéraire et Artistique, reunia-se todos os meses de modo a manter a sua coesão. A crítica denominava-os “dîners des vilains bonshommes”, assim ficaram conhecidos. Da esquerda à direita, sentados, Verlaine, Rimbaud, Valade, Hervilly, Pelletant; de pé, em segundo plano, Bonnier, Blémont e Aicard.

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Autour du piano, 1885
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Admirador de Wagner, que defendeu em França, fez várias litografias ilustrando as composições deste. Autour du Piano, é o menos falado quadro, da série de quatro dedicada às suas cumplicidades, talvez porque as figuras sejam vultos menos conhecidos.
Referência ao grupo Le Petit Bayreuth, iniciado com Antoine Lascoux, as personagens são, também elas, admiradores de Wagner. À volta do piano, da esquerda para a direita, Emmanuel Chabrier, Edmond Maître, Amédée Pigeon. De pé, Adolphe Julien, Arthur Boisseau, Camille Benoît, Antoine Lascoux e Vincent d’Indy.
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Entre o retrato modernista e as cenas fantasiadas inspiradas pela música, tributos a diversos artistas de diversas artes, os retratos de grupo de Fantin-Latour, testemunho da cumplicidade com os vultos vanguardistas, são documentos históricos.
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Outras imagens,

(1) Charles Giraud. Le Salon de la princesse Mathilde, rue de Courecelles, 1859
(2) Louis Léopold Boilly. Réunion d'artistes dans l'atelier d'Isabey, 1799
(3) William Hogarth. The Strode Family, 1738
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Sunday, May 24, 2009

giorgios

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Dos solitários objectos, entre o minimalismo e o infinito universo onírico.
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Morandi e o despojamento
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De Chirico e o cenário inquietante



Em comum, porventura o enigma. Do simples e do emaranhado.



Giorgio De Chirico, 1888-1978
Giorgio Morandi, 1890, 1964


auto-retratos
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Sunday, December 21, 2008

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maternidade
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[...]
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço
vendo a lua subir, muda, alumiando o espaço
eu balbuciava minha infantil oração,
pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
que mandasse um alívio a cada sofrimento,
que mandasse uma estrela a cada escuridão.
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Guerra Junqueiro
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Thursday, November 6, 2008

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Obama,
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in honor
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trago alguns dos artistas de Harlem Renaissance
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Sargent Claude Johnson (1888–1967)
Palmer C. Hayden (1890-1973)
Archibald John Motley, Jr. (1891-1981)
William Johnson (1901-1970)
Beauford Delaney (1901-1979)
Lois Mailou Jones (1905-1998)
Norman Lewis (1909-1979)
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Sargent Claude Johnson
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Palmer C. Hayden
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Archibald John Motley, Jr
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Após o final da I Grande Guerra, muitos soldados americanos negros regressaram a um país que continuava a cometer injustiças raciais. A grande emigração faz-se para as cidades do Norte, Harlem torna-se o núcleo cultural.
A Harlem Renaissance (Black Literary Renaissance ou New Negro Renaissance) germina em resultado das mudanças operadas na comunidade negra americana no pós-guerra.
Harlem, lugar de Jazz e Blues, e de uma orgulhosa geração afro-americana que, intelectualmente, agitou e mobilizou todas as artes, estendendo-se a todos os Estados e deixando o seu legado às gerações do porvir.
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William Johnson
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Beauford Delaney
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Norman Lewis
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I could take the Harlem night
and wrap around you,
Take the neon lights and make a crown,
Take the Lenox Avenue busses,
Taxis, subways,
And for your love song tone their rumble down.
Take Harlem's heartbeat,
Make a drumbeat,
Put it on a record, let it whirl,
And while we listen to it play,
Dance with you till day--
Dance with you, my sweet brown Harlem girl.
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Langston Hughes. Juke Box Love Song , 1950
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Monday, November 3, 2008

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Porque a natureza é tela e cor e luz. A pincelada mais hábil, ágil, elegante. Mestra. O arco-iris mais perfeito. A composição mais conseguida. Porque. Deixo hoje um post diferente.
É ela quem tenta os homens, desafiando o processo de criação.
Ei-la, então.
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há de novo caminhos de ouriços, pegadas do tempo



travo de luz e cor almofadando os passos



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tudo pode esperar, porque depois da lua há-de nascer o sol
e depois do gelo há-de vir chama
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somos nós. apenas. que nos atribulamos antecipando ansiedades ou em infrutíferas angústias
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tudo pode esperar, porque depois de nós as noites continuarão a descer
o dia a nascer depois da noite
o sol sucedendo à lua. e assim todo o muitissimo ilimitado
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olhai como as águas devolvem as alturas
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olhai a vida a fazer-se
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o ontem pode esperar, para que nos detenhamos a contemplar
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Sunday, October 19, 2008

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Où fait-il bon même au cœur de l'orage
Où fait-il clair même au cœur de la nuit
L'air est alcool et le malheur courage
Carreaux cassés l'espoir encore y luit
Et les chansons montent des murs détruits
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Aragon
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Paris oitocentista. Uma paz e harmonia quase teatrais. A literatura e a música em prazo de festim, porque a festa se faz nas salas de espectáculo, nas ruas, em casa. Engenho de belle-époque, anos dourados que a Grande Guerra viria fraccionar.
O automóvel, o aeroplano, o telefone, o gramofone e o cinematógrafo eclodiam prontos a levarem o homem mais longe e, simultaneamente, no registo do efémero, inscrevendo as artes de palco no porvir.
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Apaixonado pela cidade quotidiana, pelas ruas e pelas pessoas, entre o academismo e o Impressionismo, Béraud regista o passante ocasional, prende a atmosfera e a festividade, em telas que são crónicas de Paris.
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Jean Béraud (1849-1935)
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Rien n'égale Paris;
on le blâme, on le louë;
L'un y suit son plaisir, l'autre son interest;
Mal ou bien, tout s'y fait, vaste grand comme il est
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On y vole, on y tuë, on y pend, on y rouë.
On s'y montre, on s'y cache, on y plaide, on y jouë;
On y rit, on y pleure, on y meurt, on y naist:
Dans sa diversité tout amuse, tout plaist,
Jusques à son tumulte et jusques à sa bouë.
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Isaac de Benserade
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Friday, September 26, 2008

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François Girardon & Thomas Regnaudin. Apolo servido pelas ninfas, 1666
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Um dia, há muito tempo tive um sonho. Sonhei que formaria o melhor coro da História. Nesse sonho, as estátuas deste recinto ganhavam vida e, uma a uma, caminhavam até à estufa do pátio. A cada uma que entrava, eu dava vida. Então a estátua cantava com uma voz mágica e angelical. Quando esgotei as duzentas estátuas, o meu coro estava completo. Era um coro de vozes puras, libertas do seu latejo mortal, para sempre vivas…
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Fernando Trías de Bes. O Coleccionador de Sons, história de uma maldição.
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Deusas, Bacantes, Ninfas e outras que tais, elas foram o mote. Inspiradoras musas, que os artistas guiaram. A entidade feminina era o modelo. Mágica, poderosa, sensual e, porém, frágil.
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Prosper d'Epinay. Bacante, 1866
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Rodin. Orfeu e Eurídice, moldado c.1887, executado 1893
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Salvador Dalí. Venus de Milo, 1936
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Dura, difícil, talvez pouco delicada até, a pedra parecia menos indicada às mulheres. E a escultura, entre todas as artes - pintura, música, escrita… - concebia-se como a menos própria para a mulher artista.
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Mulheres escultoras houve-as sempre, ainda que, à semelhança da pintura, muitas esculturas houvessem sido, durante séculos, vendidas como obra de homens artistas. Talvez inclusivé Rodin se tivesse, também ele, apropriado do beijo de Camille, sua aluna e companheira.
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É no tardio século XIX que a mudança se opera, assistindo-se ao desafio levado a cabo pelas mulheres burguesas, fazendo das suas causas debate público, assim procurando uma alteração nos privilégios masculinos que dominavam a cultura elevada e a escultura neoclássica.
Dadas as insuficientes condições de trabalho nos Estados Unidos, onde o trabalho feminino era muito restrito, e cujo mecenato revertia para a estatuária pública, um grupo de mulheres escultoras desloca-se para a Europa no primeiro quartel de oitocentos, fixando-se em Roma. Fogem aos constrangimentos do casamento e levam vidas livres, porém, porque seguindo os códigos da virtude feminina, conseguiram que a sua independência ali fosse aceite. Entre elas, Hiram Powers (1805-1873), Harriet Hosmer (1830-1908), Louise Lanser (1862-1923), produziam trabalhos monumentais de personagens femininas tanto contemporâneas quanto históricas.
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Harriet Hosmer. Beatrice Cenci, 1857 (detalhe)
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Hiram Powers. A Escrava Grega, 1846
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E sim, Claudel. Camille (1864-1943)

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E Sarah Bernhardt (1844-1923)
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Sarah Bernhardt. Busto de Louise Abbéma, 1878
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Camille Claudel. As Conversadoras, 1895
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Camille Claudel. Vertumnus e Pomona, 1905
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O facto de estas artistas realizarem tais obras em mármores, algumas monumentais, contrasta com a noção veiculada de que a mulher apenas produzia trabalhos menores e caseiros, meros deleites ociosos. Ousadas, determinadas, lutadoras, da pedra fizeram poesia.
As inspiradoras musas volveram artistas, perderam em idealização, porém, materializando-se, construíram um caminho rumo à paridade.
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Janine Antoni. Lick & Lather, 1993
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